quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Livre de quê?

Sempre que ouço depoimentos ou converso com pessoas envolvidas com qualquer tipo de movimento social fico com a sensação de que são extremistas. Foi o que aconteceu quando comecei a ouvir Philipe Ribeiro e Uiraporã Maia falando sobre Cultura Livre.

Inclusive, como já tínhamos conversado na disciplina em outros momentos, esse comportamento parece ser perfeitamente explicável do ponto de vista de Lênin e sua teoria da curvatura da vara, que diz que “Se uma vara está torta ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o lado oposto.” Lênin (Althusser, 1977: 136-38).

Ao longo da conversa algumas impressões foram desconstruídas e outras reconstruídas, mas eu diria que a maior contribuição que os dois rapazes deram foi despertar uma inquietação pessoal sobre o que é essa cultura livre de que tanto falam. O que parece não ser tão fácil definir, de acordo com a conversa e com pesquisas posteriores.

Ao escutar termos como “mídia gorda”, ao assistir ao depoimento de Carlos Latuff e Tiago Jucá e o engraçado desenho animado sobre a casa do Bill Gates identifico as mesmas características identificáveis no discurso da maioria das pessoas envolvidas em movimentos sociais: uma certeza de que estão do lado certo enquanto os não envolvidos estão do lado errado ou, no mínimo, estão indiferentes às questões sociais.

Talvez seja verdade, talvez não. Essa dúvida me ocorre porque vejo o discurso sobre cultura livre ainda indefinido. Enquanto alguns definem a cultura livre como uma cultura onde não se deveria seguir as regras, outros definem justamente como o contrário.

No livro Cultura Livre - como a mídia usa a tecnologia e a lei para barrar a criação cultural e controlar a criatividade , Lawrence Lessig define: “Uma cultura livre não é uma cultura sem propriedade, da mesma forma que um mercado livre não é um mercado aonde tudo é liberado. O oposto de uma cultura livre é uma “cultura da permissão” — uma cultura na qual os criadores podem criar apenas com a permissão dos poderosos ou dos criadores do passado. (...) Uma cultura livre não é uma cultura sem propriedades; não é uma cultura aonde os artistas não são pagos. Uma cultura sem propriedades, aonde os artistas não são pagos, é uma anarquia, não liberdade.” (p.16-17)

O discurso de Lessig vai ao encontro do que os dois palestrantes falaram sobre essa confusão entre ser livre e ser grátis. Provavelmente os rapazes tenham uma visão mais acadêmica do termo pela sua proximidade com o campo ou pelo seu contato árduo com a internet, software livre etc. Mas ficou o questionamento: será que todos os envolvidos com a cultura livre no sentido Geral, em todos os níveis têm essa mesma visão?

Segundo os palestrantes, algumas das características gerais da Cultura Livre seria o acesso irrestrito à informação e o direito irrestrito à produção dessa informação, mas será que a nossa sociedade está preparada para lidar com tanta liberdade? Me parece que nós ainda precisamos saber “quem disse” ou fez para dar crédito ou não ao que ouvimos ou vemos.

Mas ao escutar o discurso tão dialógico, sobre direitos autorais e right commons, autoria e propriedade, liberdade e gratuidade, inteligência coletiva, trabalho colaborativo, percebe-se que trata-se de um campo promissor e em franca expansão do ponto de vista social e, principalmente, sociológico.


O Livro Cultura Livre - como a mídia usa a tecnologia e a lei para barrar a criação cultural e controlar a criatividade, de Lawrence Lessig, está disponível em http://www.rau-tu.unicamp.br/nou-rau/softwarelivre/document/?view=144

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